sábado, 14 de maio de 2011

MONTANDO UM PORTIFÓLIO



MONTANDO UM PORTIFÓLIO


Patrícia Valesca Gomes Ferreira

A avaliação é essencial à educação. Inerente e indissociável enquanto concebida como problematização, questionamento e reflexão sobre a ação. É um instrumento que pesquisa e diagnostica o estágio de aprendizagem em que se encontra o educando, possibilitando a sua progressão através de uma tomada de decisão.

A avaliação deve ser concebida como uma busca incessante de compreensão da dificuldade do educando e entendida como conjunto de ações que auxiliam o professor a refletir sobre as condições de aprendizagem oferecidas e a ajustar sua prática às necessidades colocadas pelos alunos.

O conhecimento sobre a psicogênese da língua escrita é essencial, pois permite que o professor atue como mediador no processo ensino-aprendizagem, através de intervenções que conduzam os alunos a uma evolução sistemática na construção da leitura e da escrita.

Através da AVALIAÇÃO INICIAL (DIAGNÓSTICA) o professor conhece as hipóteses das crianças envolvidas no processo de alfabetização (pré-silábica, silábica, silábica-alfabética e alfabética) o que dará a ele elementos para fazer seu planejamento, determinando os conteúdos e respectivos graus de aprofundamento.

A continuidade desta avaliação (de forma PROCESSUAL) dará ao professor a certeza da evolução exata de cada aluno, pois esta observação sistemática dos alunos nos subsidia para responder a três questionamentos essenciais à aprendizagem e desenvolvimento dos alunos:

  1. Eles estão aprendendo?
  2. Como estão aprendendo?
  3. Em que condições ou atividades encontram maior ou menor dificuldade?

A escola precisa ter um instrumento para registrar o desenvolvimento dos alunos e através do PORTIFÓLIO o professor poderá refletir e estabelecer objetivos para cada aprendiz, pois este lhe proporcionará informações práticas a respeito da avaliação. Os portifólios encorajam o aprendizado centrado na criança e a prática apropriada aos diferentes níveis de desenvolvimento infantil.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES DE SONDAGEM

Toda atividade deve ser contextualizada e significativa para as crianças. No processo de avaliação diagnóstica não é diferente. Por isso antes de iniciar teste de sondagem devemos estar atentos as seguintes orientações:

  1. As palavras devem pertencer a um mesmo grupo semântico, ou seja, escolha um tema e partir dele crie estratégias pára explorá-lo;
  2. Este tema deve ser significativo para as crianças, despertando interesse;
  3. Problematize o tema antes de escolher as palavras;
  4. Escolha palavras variadas quanto ao número de sílabas (polissílaba, trissílaba, dissílaba e monossílaba);
  5. As escritas devem ser propostas sempre da maior palavra para a menor quanto ao número de sílabas;
  6. Deve-se manter sempre um clima favorável, sem medos, para que a criança escreva, sempre motivando-a a escrever do “seu jeito”;
  7. Sempre que possível, peça a criança que leia o que escreveu passando o “dedinho” pela palavra lida. Temos assim mais uma oportunidade de identificar o nível de leitura da criança.
Para realizar a atividade de sondagem, podemos utilizar duas estratégias:

  1. DITADO
  2. AUTO DITADO
DITADO: Após escolher o tema (grupo semântico) e explorá-lo, o professor escolhe as palavras e dita-as para a turma que escreverá as palavras ditadas de acordo com sua percepção e hipótese.

Sempre que escolhermos esta estratégia, devemos preparar o material que será utilizado para a escrita das crianças, de forma que sua hipótese seja compreendida.

AUTO-DITADO: Esta estratégia consiste em apresentar gravuras (desenhos) para a criança da palavra que queremos que ela escreva. Os desenhos devem ser bem feitos, de forma a não dificultar a interpretação da criança. Antes de começar a escrita, faz-se necessário explorar a figura para que todos na sala saibam o que devem escrever não gerando assim, nenhuma insegurança.


ATIVIDADE 1: DATAS COMEMORATIVAS

Procedimento: Escolha uma data comemorativa como: Aniversário, Dia do Índio, Festa Junina, Natal, entre outras. Converse com os alunos sobre a data e faça perguntas problematizando o acontecimento.

Exemplo: Quem sabe o que comemoramos no nosso aniversário?

                 Quem já teve ou foi a alguma festa de aniversário?

                 O que é necessário fazer na organização de uma festa?

                 O que comemos e bebemos em uma festa de aniversário?

                 Como as pessoas se sentem?

Depois desta conversa escolheremos algumas palavras para serem ditadas para as crianças ou algumas figuras que representem itens de uma festa de aniversário ( por exemplo: refrigerante, pipoca, bolo, pão.) e em seguida uma frase com a mesma temática (exemplo: Na festa tem brigadeiro).

ATIVIDADE 2: HISTÓRIAS INFANTIS

Procedimento: Escolha uma história infantil, leve para a sala e conte para os alunos. Não podemos esquecer de explorarmos a capa antes de iniciar a história, pedindo que os alunos levantem hipóteses sobre aquela história.

Após contar a história, explorá-la fazendo perguntas sobre o lugar, os personagens, fatos interessantes ocorridos, parte que eles mais gostaram, se o final poderia ser diferente.

Escolher palavras que aparecem no texto.

Exemplo:

História: Chapeuzinho Vermelho

Palavras: Chapeuzinho, floresta, lobo, mau.
Frase: A menina cantava pela floresta.

ATIVIDADE 3: PANFLETOS E ENCARTES DE PROPAGANDA

Procedimento: Escolha uma temática (por exemplo: brinquedos, material de limpeza, alimentos, produtos de beleza, móveis, entre outros). Entregue para os alunos folhetos de propaganda e peça para encontrarem nestes folhetos os itens solicitados. Lembre-se de estipular a quantidade (no máximo 6) para que a atividade não fique extensa e cansativa. Cada aluno receberá uma folha em branco onde serão colados os itens selecionados e em seguida nomeados.

ATIVIDADE 4: PERSONAGENS DE HISTÓRIA EM QUADRINHOS

Procedimento: Entregaremos aos alunos revistinhas em quadrinhos ou qualquer outro material impresso que tenha esses personagens (livros didáticos antigos, tirinhas retiradas da internet, entre outros) e pediremos que eles recortem os personagens ali encontrados.

Em seguida distribuir uma folha branca e pedir que as crianças colem as figuras escolhidas, uma abaixo da outra, nas folhas.

Em rodinha, conversar sobre os personagens, nomeando-os e falando sobre suas características. Após essa conversa cada aluno escreverá de forma individual os nomes dos personagens escolhidos por eles.

Exemplo: Almanaque Turma da Mônica


As atividades relacionadas deverão servir como exemplo de sondagens que poderão ser realizadas, permitindo ao professor avaliar o nível do aluno na leitura e na escrita, antes de iniciar o trabalho e durante o seu desenvolvimento.

As informações colhidas na sondagem serão úteis para o planejamento da turma e o professor poderá organizar  grupos de alunos de forma a aproveitar bem as características próprias de cada um, organizando assim as intervenções necessárias ao desenvolvimento da leitura e da escrita.



BIBLIOGRAFIA:

SHORES, Elizabeth F. Manual de Portifólio: um guia passo a passo para professores. Porto Alegre: ARTMED, 2001

CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e Letrar: um diálogo entre a teoria e a prática. 2ª ed. Petrópolis, RJ: 2005

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS.Faculdade de Educação. Centro de Alfabetização, leitura e Escrita. Coleção: Orientações para a Organização do Ciclo Inicial da Alfabetização. Caderno 5 – Avaliação Diagnóstica. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, 2005.



ACHO QUE LER DEVERIA SER PROIBIDO...

VERDADES E MENTIRAS SOBRE A CÓPIA

Verdades e mentiras sobre a cópia

Equipe Pedagógica do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores



1. A cópia ensina a escrever

Não é verdade. A cópia tem sido considerada uma atividade de escrita, utilizada com freqüência nas séries iniciais com o objetivo de ensinar a escrever. A ela se atribuem poderes que não possui: nenhuma criança aprende a produzir escrita, copiando. Copiar é transcrever, não é escrever – escrever é uma forma de expressar por escrito, de representar por escrito o que se pretende dizer.



2. A cópia pode ser uma atividade significativa na escola

Verdade. A cópia pode ser uma atividade escolar interessante, se estiver relacionada aos interesses dos alunos ou fizer sentido para eles – quando, por exemplo, copiam letras de músicas ou poemas de que gostam, receitas de guloseimas, nomes, endereços e telefones dos amigos, nomes de canções de um cantor preferido etc. Por meio dessas atividades os alunos podem aprender de maneira significativa o procedimento de copiar.



3. A situação de cópia pode surgir espontaneamente dos alunos

Verdade. As crianças copiam espontaneamente textos que lhes interessam e/ou que querem preservar – e a cópia, sendo significativa, deixa de ser um ato mecânico. É o que acontece com alunos que possuem um caderno ou uma agenda com adivinhações, anedotas, versos de amor, de humor etc., e trocam com os colegas de forma que dia a dia a coleção aumenta. Entretanto, o que é contraditório é o fato de que, justamente na escola, onde se valoriza tanto a cópia, essas situações espontâneas e significativas não são aproveitadas e incentivadas.



4. A cópia favorece o aprendizado de algumas convenções da escrita como:

escrever da esquerda para a direita e transcrever os escritos da lousa usando a

linha do caderno adequadamente

Verdade. Mas isso só é possível se houver intervenções por parte da professora durante a atividade. Essas convenções o aluno não aprende sozinho, precisam ser ensinadas.



5. A cópia ajuda os alunos a aprenderem ortografia

Não é verdade. Acreditar que se aprende ortografia por meio da cópia é o mesmo que dizer que a ortografia é um conhecimento de natureza perceptiva, aprendido passivamente e que por meio da repetição da forma correta os alunos passarão a escrever certo. Hoje sabemos que aprender a escrever corretamente depende de refletir sobre o sistema de escrita e sobre as normas ortográficas.

Durante certas atividades de cópia, algumas questões sobre a ortografia podem até se colocar para os alunos, desde que lhes sejam dados oportunidade e tempo adequado para que possam pensar sobre como as palavras são escritas, a fim de poder refletir sobre a ortografia correta.



6. A cópia é uma atividade para melhorar a caligrafia dos alunos

Não é verdade. Muitos professores acreditam que dando páginas e páginas de cópia para os alunos fazerem, eles desenvolverão uma boa caligrafia. O que a prática tem mostrado é o contrário: ao final de uma página inteira de cópia, muitas vezes as escritas estão piores do que as do começo. A cópia só é feita com capricho quando os alunos vêem sentido em copiar. E não podemos esquecer que a qualidade da caligrafia dos alunos depende do objetivo e do destinatário da escrita e do tempo que têm para produzi-la.

7. A cópia pode ser um encontro com a gente mesmo

Verdade. O que copiamos pode ser revelador dos nossos gostos, sentimentos, desejos,

emoções etc. Quando lemos um texto e ele nos parece instigante, automaticamente tendemos a reler e muitas vezes temos desejo de copiar (para poder retomar em outros momentos) aquilo que nos pareceu belo, marcante, diferente etc. Freqüentemente, os registros desse tipo são pontos de referência de como certas coisas foram importantes em nossas vidas, num determinado momento, e nos ajudam a conhecer nossas próprias mudanças.



8. A cópia exige atenção e concentração e alguns cuidados

Verdade. Ao copiar, não se pode pular palavras ou frases que desfiguram o sentido do texto, não se pode deixar de transcrever os sinais de pontuação, não se pode desconsiderar os espaços entre as palavras e os parágrafos etc., porque, afinal, o que se copia é o que foi produzido por outra pessoa e deve, portanto, ser transcrito exatamente como foi escrito. Tudo isso exige atenção. E alguns cuidados adicionais são necessários nas situações de cópia de livros, como anotar toda a referência que garante o respeito à fonte original e permite posteriormente, se necessário, o acesso a ela – nome do autor e da obra, edição, capítulo, página etc.

Mas existe uma circunstância na qual errar na cópia pode ser sinal de progresso: é quando o aluno acabou de aprender a ler. É comum encontrar professores se perguntando por que determinado aluno que antes copiava tão bem começou a errar tanto na cópia. Em geral isso acontece porque antes o aluno copiava letra por letra, já que ele não sabia ler. No entanto, quando começa a ser capaz de ler, deixa de copiar letra por letra e… erra.



9. A cópia é um recurso que tem sido utilizado de forma indiscriminada e sem uma

finalidade plausível

Verdade. A cópia muitas vezes é destinada ao treino ortográfico, com a finalidade de

memorização da escrita correta das palavras. Em outros casos, é revestida de um caráter

disciplinar: preencher o tempo e manter os alunos ocupados, impedindo a conversa e a

desordem, acalmar os alunos agitados, punir os indisciplinados pela bagunça que fizeram,

transmitir ensinamentos por meio da repetição reiterada etc. Nada disso faz sentido, pois

dessa forma a cópia se constitui numa atividade mecânica, o que acaba não favorecendo nem os objetivos relacionados ao aprendizado do que se pretende garantir com ela, nem o aprendizado dos procedimentos necessários para copiar de forma adequada.



10. Enquanto copiam da lousa ou do livro, os alunos lêem

Não necessariamente, porque ler ou não durante a cópia depende da forma como é feita a proposta e do sentido que a atividade tem para os alunos. Os alunos podem copiar

mecanicamente, isto é, utilizando apenas alguns recursos de discriminação visual, copiando parte por parte, sem ler o que estão transcrevendo.

Tanto isso acontece que as pesquisas históricas sobre as práticas de leitura e escrita na Idade Média – anteriores à invenção da tipografia, quando todos os livros eram copiados à mão –mostram que nem todos os monges copistas sabiam ler.





Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Coletânea de Textos. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. — Brasília: MEC/SEF, 2001.

TELMA WEISZ

Idéias, concepções e teorias que sustentam a prática de qualquer professor, mesmo quando ele não tem consciência delas.

Telma Weisz



Quando analisamos a prática pedagógica de qualquer professor, vemos que, por trás de suas ações, há sempre um conjunto de idéias que as orienta. Mesmo quando ele não tem consciência dessas idéias, dessas concepções, dessas teorias, elas estão presentes.



Para compreender a ação do professor é preciso analisá-la com o objetivo de desvelar os seguintes aspectos:



  • qual a concepção que o professor tem, e que se expressa em seus atos, do conteúdo que ele espera que o aluno aprenda;
  • qual a concepção que o professor tem, e que se expressa em seus atos, do processo de aprendizagem, isto é, dos caminhos pelos quais a aprendizagem acontece;
  • qual a concepção que o professor tem, e que se expressa em seus atos, de como deve ser o ensino.



A teoria empirista — que historicamente é a que mais vem influenciando as representações sobre o que é ensinar, quem é o aluno, como ele aprende e o que e como se deve ensinar — se expressa em um modelo da aprendizagem conhecido como de "estímulo-resposta". Esse modelo define a aprendizagem como "a substituição de respostas erradas por respostas certas".



A hipótese subjacente a essa concepção é a de que o aluno precisa memorizar e fixar informações — as mais simples e parciais possíveis e que devem ir se acumulando com o tempo. O modelo típico de cartilha está baseado nisso.



As cartilhas trabalham com uma concepção de língua escrita como transcrição da fala: elas supõem a escrita como espelho da língua que se fala. Seus "textos" são construídos com a função de tornar clara (segundo o que elas supõem) essa relação de transcrição. Em geral, são palavras-chave e famílias silábicas, usadas exaustivamente — e aí encontram-se coisas como "o bebê baba na babá", "o boi bebe", "Didi dá o dado a Dedé". A função do material escrito numa cartilha é apenas ajudar o aluno a desentranhar a regra de geração do sistema alfabético: que b com a dá ba, e por aí afora.



Centrada nessa abordagem que vê a língua como pura fonologia, a cartilha introduz o aluno no mundo da escrita apresentando-lhe um texto que, na verdade, é apenas um agregado de frases desconectadas. Essa concepção de "texto" para ensinar a ler está tão internalizada no imaginário do professor que, certa vez, uma professora que se esforçava para transformar sua prática documentou em vídeo uma aula e me enviou, para mostrar como já conseguia trabalhar sem a cartilha. A atividade era uma produção coletiva de texto na lousa. O texto produzido pelos alunos e grafado pela professora era o seguinte:



O sapo

O sapo é bom.

O sapo come inseto.

O sapo é feio.

O sapo vive na água e na terra.

Ele solta um líquido pela espinha.

O sapo é verde.



Como se pode observar, cada enunciado é tratado como se fosse um parágrafo independente.



Exigências mínimas de coesão textual, como não repetir "o sapo" em cada enunciado, nem sequer são consideradas. Só na quinta frase aparece, pela primeira vez, um pronome para substituir "o sapo". E na sexta frase, lá está ele de novo. Seria fácil concluir que a professora é que não sabe escrever com um mínimo de coerência e coesão. Mas não era esse o caso. Além de saber escrever, era uma ótima professora: empenhada e comprometida com seu trabalho e seus alunos. Apenas havia interiorizado em sua prática o modelo de "texto" que caracteriza a metodologia de alfabetização expressa nas cartilhas. E de tal maneira que nem sequer tinha consciência disso: foi preciso tematizar sua prática a partir dessa situação documentada para que ela pudesse se dar conta.



Como a metodologia de ensino expressa nas cartilhas concebe os caminhos pelos quais a aprendizagem acontece



Poderíamos dizer, em poucas palavras, que na concepção empirista o conhecimento está "fora" do sujeito e é internalizado através dos sentidos, ativados pela ação física e perceptual. O sujeito da aprendizagem seria "vazio" na sua origem, sendo "preenchido" pelas experiências que tem com o mundo. Criticando essa idéia de um ensino que se "deposita" na mente do aluno, Paulo Freire usava uma metáfora — "educação bancária" — para falar de uma escola em que se pretende "sacar" exatamente aquilo que se "depositou" na cabeça do aluno.



Nessa concepção o aprendiz é alguém que vai juntando informações. Ele aprende o ba, be, bi, bo, bu, depois o ma, me, mi, mo, mu e supõe-se que em algum momento, ao longo desse processo, tenha uma espécie de "estalo" e comece a perceber o que é que o ma, o me, o mi, o mo e o um têm em comum.Acredita-se que ele seja capaz de aprender exatamente o que lhe ensinam e de ultrapassar um pouco isso, fazendo uma síntese a partir de uma determinada quantidade de informações. Na verdade, o modelo supõe apenas a acumulação. Os professores é que, convivendo com alunos reais o tempo todo, acabam encontrando na figura do "estalo" a resposta para certas ocorrências aparentemente inexplicáveis. Porque sabem que alguns entendem o sistema logo que aprendem algumas poucas famílias silábicas, enquanto outros chegam ao Z de zabumba sem compreendê-lo. E já que não têm como entender essas diferenças, buscam explicações no que se convencionou chamar de "estalo". Freqüentemente dizem: "O menino deu o estalo" ou "Ainda não deu o estalo, mas uma hora vai dar".



Para se acomodar a essa teoria, o processo de ensino é caracterizado por um investimento na cópia, na escrita sob ditado, na memorização pura e simples, na utilização da memória de curto prazo para reconhecimento das famílias silábicas quando o professor toma a leitura. Essa forma de trabalhar está relacionada à crença de que primeiro os meninos têm de aprender a ler e a escrever dentro do sistema alfabético, fazendo uma leitura mecânica, para depois adquirir uma leitura compreensiva.



Ou seja, primeiro eles precisariam aprender a fazer barulho com a boca diante das letras para depois poder aprender a ler de verdade e a produzir sentido diante de textos escritos.



Assim, os três tipos de concepção a que nos referimos no início deste capítulo se articulam para produzir a prática do professor que trabalha segundo a concepção empirista: a língua (conteúdo) é vista como transcrição da fala, a aprendizagem se dá pelo acúmulo de informações e o ensino deve investir na memorização. Na verdade, qualquer prática pedagógica, qualquer que seja o conteúdo, em qualquer área, pode ser analisada a partir deste trio: conteúdo, aprendizagem e ensino.



Para mudar é preciso reconstruir toda a prática a partir de um novo paradigma teórico



Quando se tenta sair de um modelo de aprendizagem empirista para um modelo construtivista, as dificuldades de entendimento às vezes são graves. De uma perspectiva construtivista, o conhecimento não é concebido como uma cópia do real, incorporado diretamente pelo sujeito: pressupõe uma atividade, por parte de quem aprende, que organiza e integra os novos conhecimentos aos já existentes.



Isso vale tanto para o aluno quanto para o professor em processo de transformação.

Se o professor procura inovar sua prática, adotando um modelo de ensino que pressupõe a construção de conhecimento sem compreender suficientemente as questões que lhe dão sustentação, corre o risco, grave no meu modo de ver, de ficar se deslocando de um modelo que lhe é familiar para o outro, meio desconhecido, sem muito domínio de sua própria prática — "mesclando", como se costuma dizer.



O equívoco mais comum é pensar que alguns conteúdos se constroem e outros não. O que, nessa visão "mesclada", vale dizer que uns precisariam ser ensinados e outros, não. Em outros casos o modelo empirista fica intocado e as idéias que as crianças constroem em seu processo de aprendizagem são distorcidas a ponto de o professor vê-las como conteúdo a ser ensinado.



Um exemplo disso são os professores que, encantados com o que a psicogênese da língua escrita desvendou sobre o que pensam as crianças quando se alfabetizam, passaram a ensinar seus alunos a escrever silabicamente. Que raciocínio leva a uma distorção desse tipo? Se os alunos têm de passar por uma escrita silábica para chegar a uma escrita alfabética, ensiná-los a escrever silabicamente faria chegar mais rápido à escrita alfabética, pensam esses professores.



Essa perspectiva só pode caber num modelo empirista de ensino, cuja lógica intrínseca é a de organizar etapas de apresentação do conhecimento aos alunos. Essa lógica não faz nenhum sentido num modelo construtivista.



Outro tipo de entendimento distorcido, mais influenciado por práticas espontaneístas, é o seguinte: diante da informação de que quem constrói o conhecimento é o sujeito, houve professores que entenderam que a intervenção pedagógica seria, então, desnecessária. Se é o aluno quem vai construir o conhecimento, o que os professores teriam a fazer dentro da sala de aula? E passaram a não fazer nada. Como se vê, é fácil nos perdermos em nossa prática educativa quando não nos damos conta do que orienta de fato nossas ações.Ou melhor, de quais são as nossas teorias em ação.



]Conteúdos escolares são objetos de conhecimento complexos, que devem ser dados a conhecer, aos alunos, por inteiro



A mudança na concepção dos conteúdos oferecidos pela escola provoca, de imediato, uma transformação enorme na oferta de informação aos alunos.Vamos continuar com o exemplo da língua escrita para tornar mais claro o que queremos dizer. Se o professor parte do princípio de que a língua escrita é complexa, dentro de uma concepção construtivista da aprendizagem ela deve ser — mesmo assim e por isso mesmo — oferecida inteira para os alunos. E de forma funcional, isto é, tal como é usada realmente. Quando alguém aprende a escrever, está aprendendo ao mesmo tempo muitos outros conteúdos além do bê-á-bá, do sistema de escrita alfabética — por exemplo, as características discursivas da língua, ou seja, a forma que ela assume em diferentes gêneros através dos quais se realiza socialmente.



Pensando assim caberá ao professor criar situações que permitam aos alunos vivenciar os usos sociais que se faz da escrita, as características dos diferentes gêneros textuais, a linguagem adequada a diferentes contextos comunicativos, além do sistema pelo qual a língua é grafada, o sistema alfabético. Para alguém ser capaz de ler com autonomia é preciso compreender o sistema alfabético, mas isso apenas lhe confere autonomia. Qualquer um pode aprender muito sobre a língua escrita mesmo sem poder ler e escrever autonomamente. Isso depende da oportunidades de ouvir a leitura de textos, participar de situações sociais nas quais os textos reais são utilizados, pensar sobre os usos, as características e o funcionamento da língua escrita.



Para os construtivistas — diferentemente dos empiristas, para quem a informação deveria ser oferecida da forma mais simples possível, uma de cada vez, para não confundir aquele que aprende — o aprendiz é um sujeito, protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, alguém que vai produzir a transformação que converte informação em conhecimento próprio. Essa construção, pelo aprendiz, não se dá por si mesma e no vazio, mas a partir de situações nas quais ele possa agir sobre o que é objeto de seu conhecimento, pensar sobre ele, recebendo ajuda, sendo desafiado a refletir, interagindo com outras pessoas.



Quando se acredita que o motor da aprendizagem é o esforço do sujeito para dar sentido à informação que está disponível, tem-se uma situação bastante diferente daquela em que o aprendiz teria de permanecer tranqüilo e com os sentidos abertos para introjetar a informação que lhe é oferecida, da maneira como é oferecida. Num modelo empirista a informação é introjetada, ou não. Num modelo construtivista, o aprendiz tem de transformar a informação para poder assimilá-la. Concepções tão diferentes dão origem, necessariamente, a práticas pedagógicas muito diferentes.



Afirmar que o conhecimento prévio é base da aprendizagem não é defender pré-requisitos



Para aprender alguma coisa, é preciso já saber alguma coisa — diz o modelo construtivista.  Ninguém conseguirá aprender alguma coisa se não tiver como reconhecer aquilo como algo apreensível.



O conhecimento não é gerado do nada, é uma permanente transformação a partir do conhecimento que já existe. Essa afirmação — a de que o conhecimento prévio do aprendiz é base de novas aprendizagens — não significa a crença ou defesa de pré-requisitos.Tampouco esse tipo de conhecimento se confunde com a matéria ensinada anteriormente pelo professor.

Se, por um lado, é o que cada um já possui de conhecimento que explica as diferentes formas e tempos de aprendizagem de determinados conteúdos que estão sendo tratados, por outro sabemos que a intervenção do professor é determinante neste processo. Seja nas propostas de atividade, seja na forma como encoraja cada um de seus alunos a se lançar na ousadia de aprender, o professor atua o tempo inteiro.



Não informar nem corrigir significa abandonar o aluno à própria sorte



Como já vimos, diante de um corpo de idéias tão novo como a concepção construtivista da aprendizagem e o modelo de ensino mediante a resolução de problemas, o professor está também na posição de aprendiz. No entanto, o conhecimento pedagógico é produzido coletivamente, o que permite aos professores hoje aprender a partir do que outros já aprenderam e tomar cuidado com erros já cometidos por outros.



Um erro que precisa ser evitado por suas graves conseqüências é o desvio espontaneísta: como é o aluno quem constrói o conhecimento, não seria necessário ensinar-lhe.A partir dessa crença o professor passa a não informar, a não corrigir e a se satisfazer com o que o aluno faz "do seu jeito". Essa visão implica abandonar o aluno à sua própria sorte. E é muito importante que o professor compreenda o que significa, do ponto de vista da criança, o "vou fazer do meu jeito".



Vamos usar a alfabetização novamente para exemplificar. Quando uma criança entra na escola ainda não alfabetizada, tanto ela quanto o professor sabem que ela não sabe ler nem escrever.



Ao propor que se arrisque a escrever do jeito que imagina, o que o professor na verdade está propondo é uma atividade baseada na capacidade infantil de jogar, de fazer de conta. Num contrato desse tipo — que reza que o aluno deve escrever pondo em jogo tudo o que sabe e pensa sobre a escrita — o professor deve usar tudo o que sabe sobre as hipóteses que as crianças constroem a respeito da escrita para poder, interpretando o que o aluno escreveu, ajudá-lo a avançar. Dentro desse contrato, quem "faz de conta" é a criança. Nesse espaço em que a criança escreve "do seu jeito" o papel do professor é delicado. Mas é semelhante ao de alguém adulto que participa de uma brincadeira de faz de conta sem entrar nela.Ao professor cabe organizar a situação de aprendizagem de forma a oferecer informação adequada. Sua função é observar a ação das crianças, acolher ou problematizar suas produções, intervindo sempre que achar que pode fazer a reflexão dos alunos sobre a escrita avançar.O professor funciona então como uma espécie de diretor de cena ou de contra-regra e cabe a ele montar o andaime para apoiar a construção do aprendiz.

PRÓ LETRAMENTO

Pressupostos da aprendizagem e do ensino da alfabetização


Como ponto de partida desta abordagem, serão apresentadas algumas concepções que fundamentarão esta proposta e que, por essa razão, serão retomadas ao longo de todo o texto. São pressupostos que devem estar presentes em todas as reflexões atualmente desenvolvidas em torno da aprendizagem e do ensino da alfabetização, orientando o trabalho docente na escolha de conteúdos, procedimentos e formas de avaliar este processo.

Conceitos: Alfabetização e Letramento

Historicamente, o conceito de alfabetização se identificou ao ensino-aprendizado da “tecnologia da escrita”, quer dizer, do sistema alfabético de escrita, o que, em linhas gerais, significa, na leitura, a capacidade de decodificar os sinais gráficos, transformando-os em “sons”, e, na escrita, a capacidade de codificar os sons da fala, transformando-os em sinais gráficos.
 
A partir dos anos 1980, o conceito de alfabetização foi ampliado com as contribuições dos estudos sobre a psicogênese da aquisição da língua escrita, particularmente com os trabalhos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky. De acordo com esses estudos, o aprendizado do sistema de escrita não se reduziria ao domínio de correspondências entre grafemas e fonemas (a decodificação e a codificação), mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a criança, desde seus primeiros contatos com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita, compreendida como um sistema de representação.

Alfabetização

Os termos “grafemas” e “fonemas” correspondem, aproximadamente, a “som” e “letra”, usados na linguagem corrente. A conceituação de fonema e grafema é apresentada mais à frente.

Progressivamente, o termo passou a designar o processo não apenas de ensinar e aprender as habilidades de codificação e decodificação, mas também o domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas práticas sociais de leitura e escrita. É diante dessas novas exigências que surge uma nova adjetivação para o termo – alfabetização funcional – criada com a finalidade de incorporar as habilidades de uso da leitura e da escrita em situações sociais e, posteriormente, a palavra letramento.

Com o surgimento dos termos letramento e alfabetização (ou alfabetismo) funcional, muitos pesquisadores passaram a preferir distinguir alfabetização e letramento. Passaram a utilizar o termo alfabetização em seu sentido restrito, para designar o aprendizado inicial da leitura e da escrita, da natureza e do funcionamento do sistema de escrita. Passaram, correspondentemente,a reservar os termos letramento ou, em alguns casos, alfabetismo funcional para designar os usos (e as competências de uso) da língua escrita. Outros pesquisadores tendem a preferir utilizar apenas o termo alfabetização para significar tanto o domínio do sistema de escrita quanto os usos da língua escrita em práticas sociais. Nesse caso, quando sentem a necessidade de estabelecer distinções, tendem a utilizar as expressões “aprendizado do sistema de escrita” e “aprendizado da linguagem escrita”.

Letramento

É na segunda metade dos anos 1980 que essa palavra surge no discurso de especialistas das Ciências Lingüísticas e da Educação, como uma tradução da palavra da língua inglesa literacy.

Sua tradução se faz na busca de ampliar o conceito de alfabetização, chamando a atenção não apenas para o domínio da tecnologia do ler e do escrever (codificar e decodificar), mas também para os usos dessas habilidades em práticas sociais em que escrever e ler são necessários.

Implícita nesse conceito está a idéia de que o domínio e o uso da língua escrita trazem conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la.

Letramento é pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado da ação de usar essas habilidades em práticas sociais, é o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da língua escrita e de ter-se inserido num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita. Como são muito variados os usos sociais da escrita e as competências a eles associadas (de ler um bilhetesimples a escrever um romance), é freqüente levar em consideração níveis de letramento (dos mais elementares aos mais complexos). Tendo em vista as diferentes funções (para se distrair, para se informar e se posicionar, por exemplo) e as formas pelas quais as pessoas têm acesso à língua escrita – com ampla autonomia, com ajuda do professor ou da professora, ou mesmo por meio de alguém que escreve, por exemplo, cartas ditadas por analfabetos –, a literatura a respeito assume ainda a existência de tipos de letramento ou de letramentos, no plural.

Ensino da língua escrita

A língua é um sistema que se estrutura no uso e para o uso, escrito e falado, sempre contextualizado. No entanto, a condição básica para o uso escrito da língua, que é a apropriação do sistema alfabético, envolve, da parte dos alunos, aprendizados muito específicos, independentes do contexto de uso, relativos aos componentes do sistema fonológico da língua e às suas inter-relações. Explicando e exemplificando: as relações entre consoantes e vogais, na fala e na escrita, permanecem as mesmas, independentemente do gênero textual em que aparecem e da esfera social em que circule; numa piada ou nos autos de um processo jurídico, as consoantes e vogais são as mesmas e se inter-relacionam segundo as mesmas regras.

O estágio atual dos questionamentos e dilemas no campo da educação nos impõe a necessidade de firmar posições consistentes, evitando polarizações e reducionismos nas práticas de alfabetização.

Algumas questões relacionadas aos métodos de alfabetização podem tornar mais acessíveis essas ponderações. A opção pelos princípios do método silábico, por exemplo, contempla alguns aspectos importantes para a apropriação do código escrito, mas supõe uma progressão fixa e previamente definida e reduz o alcance dos conhecimentos lingüísticos, quando desconsidera as funções sociais da escrita.

Da mesma forma, os métodos de base fônica, embora focalizando um ponto fundamental para a compreensão do sistema alfabético, que é a relação entre fonema e grafema, restringem a concepção de alfabetização, quando valorizam exclusivamente o eixo da codificação e decodificação pela decomposição de elementos que se centram em fonemas e sinais gráficos.

Por sua vez, os métodos analíticos orientam a apropriação do código escrito pelo caminho do todo para as partes (de palavras, sentenças ou textos para a decomposição das sílabas em grafemas/fonemas). Apesar de procurarem situar a relação grafema/fonema em unidades de sentido, como palavras, sentenças e textos, os métodos analíticos tendem a se valer de frases e textos artificialmente curtos e repetitivos, para favorecer a estratégia de memorização, considerada fundamental. Essas três tendências podem ser consideradas perseverantes e coexistentes no atual estado das práticas escolares em alfabetização e da produção de livros e materiais didáticos em geral.

As práticas fundamentadas no ideário construtivista, ao longo das últimas décadas, trazem como ponto positivo a introdução ou o resgate de importantes dimensões da aprendizagem significativa e das interações, bem como dos usos sociais da escrita e da leitura, articulados a uma concepção mais ampla de letramento. Mas, em contrapartida, algumas compreensões equivocadas dessas teorias têm acarretado outras formas de reducionismo. Isso se verifica quando essas práticas negam os aspectos psicomotores ou grafomotores, desprezando seu impacto no processo inicial de alfabetização e descuidando de instrumentos e equipamentos imprescindíveis a quem se inicia nas práticas da escrita e da leitura. Essa postura prejudica sobretudo as crianças que vivem em condições sociais desfavorecidas e que, por isso, só têm oportunidade de contato mais amplo com livros, revistas, cadernos, lápis e outros instrumentos e tecnologias quando ingressam na escola.

Outra questão controversa diz respeito à oposição do construtivismo ao ensino meramente transmissivo, que limita o aluno a apenas memorizar e reproduzir conceitos e regras. O problema é que, em nome dessa crítica, algumas interpretações equivocadas do construtivismo têm recusado a apresentação de informações relevantes ao avanço dos alunos, como se todos os conhecimentos pertinentes à apropriação da língua escrita pudessem ser construídos pelos próprios alunos, sem a contribuição e a orientação de um adulto mais experiente. Mais um problema resultante de interpretações errôneas do construtivismo tem sido a defesa unilateral de interesses e hipóteses das crianças, o que acaba limitando a ação pedagógica ao nível dos conhecimentos prévios dos alunos. Essa limitação gera fracassos, porque compromete a proposição e a avaliação de capacidades progressivas e acaba sendo usada, pela própria ação pedagógica, como justificativa para o que não deu certo.

Do mesmo modo que as opções por métodos e práticas, algumas orientações inadequadas fundadas no conceito de letramento podem produzir distorções. Há propostas pedagógicas e livros didáticos que valorizam de forma parcial importantes conquistas como o prazer pelo ato de escrever e a inserção nas práticas sociais da leitura e da escrita, mas não garantem o acesso da criança ao sistema alfabético e às convenções da escrita, deixando em segundo plano a imprescindível exploração sistemática do código e das relações entre grafemas e fonemas.

Como conseqüência, dissociam, equivocadamente, o processo de letramento do processo de alfabetização, como se um dispensasse ou substituísse o outro.

Para selecionar as capacidades analisadas neste fascículo, entende-se alfabetização como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilita ao aluno ler e escrever com autonomia.

Entende-se letramento como o processo de inserção e participação na cultura escrita. Trata-se de um processo que tem início quando a criança começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas, etc.) e se prolonga por toda a vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras literárias, por exemplo). Esta proposta considera que alfabetização e letramento são processos diferentes, cada um com suas especificidades, mas complementares e inseparáveis, ambos indispensáveis.

Assim, não se trata de escolher entre alfabetizar ou letrar; trata-se de alfabetizar letrando. Também não se trata de pensar os dois processos como seqüenciais, isto é, vindo um depois do outro, como se o letramento fosse uma espécie de preparação para a alfabetização, ou, então, como se a alfabetização fosse condição indispensável para o início do processo de letramento.

O desafio que se coloca para os primeiros anos da Educação Fundamental é o de conciliar esses dois processos, assegurando aos alunos a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e condições possibilitadoras do uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita.

Considerando-se que os alfabetizandos vivem numa sociedade letrada, em que a língua escrita está presente de maneira visível e marcante nas atividades cotidianas, inevitavelmente eles terão contato com textos escritos e formularão hipóteses sobre sua utilidade, seu funcionamento, sua configuração. Excluir essa vivência da sala de aula, por um lado, pode ter o efeito de reduzir e artificializar o objeto de aprendizagem que é a escrita, possibilitando que os alunos desenvolvam concepções inadequadas e disposições negativas a respeito desse objeto.

Por outro lado, deixar de explorar a relação extra-escolar dos alunos com a escrita significa perder oportunidades de conhecer e desenvolver experiências culturais ricas e importantes para a integração social e o exercício da cidadania.

 Assim, entende-se que a ação pedagógica mais adequada e produtiva é aquela que contempla, de maneira articulada e simultânea, a alfabetização e o letramento.



Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Pró Letramento: Alfabetização e Linguagem / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 2007.

ALFABETIZAÇÃO E PCN



ALFABETIZAÇÃO E ENSINO DA LÍNGUA
                          Que escrita cabe à escola ensinar?

É habitual pensar sobre a área de Língua Portuguesa como se ela fosse um foguete de dois estágios: o primeiro para se soltar da Terra e o segundo para navegar no espaço. O primeiro seria o que já se chamou de “primeiras letras”, hoje alfabetização, e o segundo, aí sim, o estudo da língua propriamente dita.


Durante o primeiro estágio, previsto para durar em geral um ano, o professor deveria ensinar o sistema alfabético de escrita (a correspondência fonográfica) e algumas convenções ortográficas do português — o que garantiria ao aluno a possibilidade de ler e escrever por si mesmo, condição para poder disparar o segundo estágio do metafórico foguete. Esse segundo estágio se desenvolveria em duas linhas básicas: os exercícios de redação e os treinos ortográficos e gramaticais.


O conhecimento atualmente disponível recomenda uma revisão dessa metodologia e aponta para a necessidade de repensar sobre teorias e práticas tão difundidas e estabelecidas, que, para a maioria dos professores, tendem a parecer as únicas possíveis. Por trás da prática em dois estágios, está a teoria que concebe a capacidade de produzir textos como dependente da capacidade de grafá-los de próprio punho. Na Antiguidade grega, berço de alguns dos mais importantes textos produzidos pela humanidade, o autor era quem compunha e ditava para ser escrito pelo escriba; a colaboração do escriba era transformar os enunciados em marcas gráficas que lhes davam a permanência, uma tarefa menor, e esses artífices pouco contribuíram para a grandeza da filosofia ou do teatro grego.


A compreensão atual da relação entre a aquisição das capacidades de redigir e grafar rompe com a crença arraigada de que o domínio do bê-á-bá seja pré-requisito para o início do ensino de língua e nos mostra que esses dois processos de aprendizagem podem e devem ocorrer de forma simultânea. Um diz respeito à aprendizagem de um conhecimento de natureza notacional[1] : a escrita alfabética[2] ; o outro se refere à aprendizagem da linguagem que se usa para escrever.

A conquista da escrita alfabética não garante ao aluno a possibilidade de compreender e produzir textos em linguagem escrita. Essa aprendizagem exige um trabalho pedagógico sistemático.

Quando são lidas histórias ou notícias de jornal para crianças que ainda não sabem ler e escrever convencionalmente, ensina-se a elas como são organizados, na escrita, estes dois gêneros: desde o vocabulário adequado a cada um, até os recursos coesivos[3] que lhes são característicos. Um aluno que produz um texto, ditando-o para que outro escreva, produz um texto escrito, isto é, um texto cuja forma é escrita ainda que a via seja oral. Como o autor grego, o produtor do texto é aquele que cria o discurso, independentemente de grafá-lo ou não. Essa diferenciação é que torna possível uma pedagogia de transmissão oral para ensinar a linguagem que se usa para escrever.


Ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa muito difícil fora do convívio com textos verdadeiros, com leitores e escritores verdadeiros e com situações de comunicação que os tornem necessários. Fora da escola escrevem-se textos dirigidos a interlocutores de fato. Todo texto pertence a um determinado gênero, com uma forma própria, que se pode aprender. Quando entram na escola, os textos que circulam socialmente cumprem um papel modelizador[4] , servindo como fonte de referência, repertório textual, suporte da atividade intertextual[5] . A diversidade textual que existe fora da escola pode e deve estar a serviço da expansão do conhecimento letrado do aluno[6].

 Mas a ênfase que se está dando ao conhecimento sobre as características discursivas da linguagem — que hoje sabe-se essencial para a participação no mundo letrado — não significa que a aquisição da escrita alfabética deixe de ser importante. A capacidade de decifrar o escrito é não só condição para a leitura independente como — verdadeiro rito de passagem — um saber de grande valor social.


É preciso ter claro também que as propostas didáticas difundidas a partir de 1985, ao enfatizar o papel da ação e reflexão do aluno no processo de alfabetização, não sugerem (como parece ter sido entendido por alguns) uma abordagem espontaneísta da alfabetização escolar; ao contrário, o conhecimento dos caminhos percorridos pelo aluno favorece a intervenção pedagógica e não a omissão, pois permite ao professor ajustar a informação oferecida às condições de interpretação em cada momento do processo. Permite também considerar os erros cometidos pelo aluno como pistas para guiar sua prática, para torná-la menos genérica e mais eficaz.

A alfabetização, considerada em seu sentido restrito de aquisição da escrita alfabética, ocorre dentro de um processo mais amplo de aprendizagem da Língua Portuguesa. Esse enfoque coloca necessariamente um novo papel para o professor das séries iniciais: o de professor de Língua Portuguesa.



Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmentros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF,1997.





[1] Neste documento, entende-se por notacional o que se refere a sistemas de representação convencional, como o sistema de escrita alfabético, a escrita dos números, a escrita musical, etc
[2] A escrita alfabética é um sistema de escrita regido pelo princípio da fonografia, em que o signo gráfico representa normalmente um ou mais fonemas do idioma.
[3] Recursos coesivos são os elementos lingüísticos da superfície de um texto que indicam as relações existentes entre as palavras e os enunciados que o compõem.
[4] Isto é, funcionam como modelos a partir dos quais os alunos vão se familiarizando com as características discursivas dos diferentes gêneros.
[5] A intertextualidade é constitutiva do processo de produção e compreensão de textos. Implica as diferentes maneiras pelas quais
um texto, oral ou escrito, é dependente do conhecimento de outros textos previamente existentes para poder ser produzido e
compreendido.
[6] Conhecimento letrado é aquele construído nas práticas sociais de letramento, tal como especificado na nota 5.